sexta-feira, 22 de março de 2013

dicas

# O uso do gerúndio pode empobrecer o texto.
# Adjetivos que não informam são dispensáveis. Por exemplo: luxuosa mansão.
# Evite o uso excessivo do “que”. Essa armadilha espreita períodos longos. Prefira frases curtas.
 # Escreva com simplicidade.
# Evite clichês, frase “feitas” e jargão. Exemplos: com a corda no pescoço, andando na linha, bateu as botas, com a faca e o queijo nas mãos, etc.

# Cuidado com redundâncias. É errado escrever, por exemplo, “há cinco anos atrás”.
# Leia os bons autores e faça como eles.
# Escreva diários, cartas, e-mails, crônicas, poesias, dissertações, qualquer texto. Só escrevendo se aprende a escrever.
# Evite títulos muito abrangentes; não use o título como tema.
# Utilize recursos que sustentem e comprovem sua opinião (tese).
# Evite problemas de vocabulário, por exemplo: repetições, ambiguidade, termos vagos, pleonasmos viciosos, expressões da oralidade, gírias...

Redação como confirmAÇÃO do meu ser no mundo







FLORES, Mariane Lazzari





 


Redação



domingo, 17 de março de 2013

Nova Ortografia - Acentuação

Regra do “u” e do “i” (parcialmente abolida):

O que não mudou? As vogais “i” e “u” recebem acento agudo sempre que formam hiato com a vogal anterior e ficam sozinhas na sílaba ou com “s”:

Gra-ja-ú, ba-ú, sa-ú-de, vi-ú-va, con-te-ú-do, ga-ú-cho, eu re-ú-no, ele re-ú-ne, eu sa-ú-do, eles sa-ú-dam;
Eu ca-í, eu sa-í, o pa-ís, tu ca-ís-te, nós ca-í-mos, eles ca-í-ram, ba-í-a, ra-í-zes, ju-í-za, pro-í-bo, dis-tri-bu-í-do...

Observações:
a) A vogal “i” tônica, antes de “NH”, não recebe acento agudo: rainha, bainha, tainha, ladainha, moinho...
b) Não há acento agudo quando o “u” e o “i” formam ditongo e não hiato: gra-tui-to, for-tui-to, in-tui-to, cir-cui-to, mui-to, sai-a, bai-a, que eles cai-am, ele cai, ele sai, ele trai, os pais...
c) Não há acento agudo quando as vogais “i” e “u” não estão isoladas na sílaba: ca-iu, ca-ir-mos, sa-in-do, raiz, ju-iz, ru-im...

 
O que mudou? Perdem o acento agudo as palavras em que as vogais “i” e “u” formam hiato com um ditongo anterior: fei-u-ra, bai-uca, Bo-cai-u-va...

Como era/ como fica?
Feiúra - feiura;
Baiúca - baiuca;
Bocaiúva - Bocaiuva.

Regra dos ditongos abertos “éu”, “éi”, “ói” (parcialmente abolida):

 Como era? Acentuavam-se todas as palavras que apresentam ditongos abertos:
ÉU: céu, réu, chapéu, troféus...
ÉI: papéis, pastéis, anéis, idéia, assembléia...
ÓI: dói, herói, eu apóio, esferóide...

Observações:
Não se acentuam os ditongos fechados:
EU: seu, ateu, judeu, europeu...
EI: lei, alheio, feia...
OI: boi, coisa, o apoio...

O que mudou? Perdem o acento agudo somente as palavras paroxítonas: ideia, epopeia, assembleia, jiboia, boia, eu apoio, ele apoia, esferoide, heroico...

O que não mudou? O acento agudo permanece nas palavras monossílabas e nas oxítonas: dói, mói, rói, herói, anéis, papéis, pastéis, céu, réu, troféu, chapéus...

Regra do acento diferencial (parcialmente abolida):

 
Como era? Recebiam acento gráfico as palavras homônimas homógrafas tônicas (para diferenciar das átonas):

Ele pára (do verbo PARAR - só a 3ª pessoa do singular do presente do indicativo);
Eu pélo, tu pélas e ele péla (do verbo PELAR);
O pêlo, os pêlos (substantivo = cabelo, penugem);
A pêra (substantivo = fruta - só no singular);
O pólo, os pólos (substantivos = jogo ou extremidade).

 
Como fica? Sem acento gráfico:

Ele para (do verbo PARAR - 3ª pessoa do singular do presente do indicativo);
Eu pelo, tu pelas e ele pela (do verbo PELAR);
O pelo, os pelos (substantivo = cabelo, penugem);
A pera (substantivo = fruta);
O polo, os polos (substantivos = jogo ou extremidade).

 
O que não mudou?
a) Pôr (VERBO - INFINITIVO): “Ele deve pôr em prática tudo que aprendeu”; por (preposição): “Ele vai por este caminho”;
b) Pôde é a 3ª pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo: “Ontem ele não pôde resolver o problema”; Pode é a 3ª pessoa do singular do presente do indicativo:

“Agora ele não pode sair,”
 
Observação:
Sugiro que acentuemos fôrma (“fôrma de pizza”), como orienta o dicionário Aurélio e como permite o novo acordo ortográfico, a fim de diferenciar de forma (“forma física ideal”).

 
• USO DO TREMA (TOTALMENTE ABOLIDO)

Língua Portuguesa PS1


REVISÃO
Note que toda sílaba tem apenas uma vogal:


Pe-di-do
Pneu
Ca-xei-ro
 
A semivogal soa mais fraca, é pronunciada mais rapidamente e apoia-se na vogal.

Pei-xe
Tê-nue
Meu
He-rói


- Não existe sílaba sem vogal
- O “A” é sempre vogal.
E, I, O e U podem ser vogais ou semivogais. Para obter respostas: separe a sílaba e se lembre de que o A é sempre vogal.


Ex.: Fai-são
Ex.: Pei-xe
Ex.: Lou-ca
Ex.: Ou-ro
Ex.: Cei-a

DICA
Quando o “i” ou o “u” forem a base da sílaba, serão vogais:

E e O com som de I e U:
Mãe /mãi/
Área /aria/
Irmãos /irmãus/
Pão /pãu/

E, I, O e U como vogais:  Pe-te-ca |  Sa-í-da  | Cou-ro |  Sa-ú-de
E, I, O e U como semivogais:  Mãe  |  Fai-xa | Cão  |  Sau-da-de

 
DITONGO

Crescente SV + V
Ex.: sé-rie | vá-cuo
Decrescente V + sv
Ex.: a-mei-xa | mui-to |a-ções
 
TRITONGO
SV+V+SV Ex.:  Uruguai | quais | enxerguei

 
HIATO
V-V em sílabas DIFERENTES Ex.: Ca-ir |  Di-a | po-e-si-a | sa-ú-de

DICA
- i e u nas condições:
• sejam a segunda vogal tônica de um hiato ;
• formem sílabas sozinhos ou com s na mesma sílaba ;
• não sejam seguidas pelo dígrafo nh (rainha);
• não forem repetidas (i-i ou u-u);
• não sejam, quando em palavras paroxítonas, precedidas de ditongo.

Redação UFSM - oficina agosto 2012

A correção acontece em duplas.
Cada dupla corrige, em média, 500 redações.
Um avalia e outro revisa.
Cada dupla avalia um curso em sua totalidade = homogeneidade.
Uma diferença muito grande leva o texto a um 3º revisor. Fica a média dos 3 avaliadores. – o 3º avaliador não tem conhecimento das outras notas.
Todos recebem notebook com sistema da COPERVS para lançamento das notas.
As redações não são corrigidas à os erros são apenas apontados pelos avaliadores.
Equivale à metade de uma disciplina à 7,5 acertos.
A redação é o primeiro critério de desempate.
Não havendo atendimento à modalidade, o candidato zera a redação (outros casos: grafia ilegível, fuga ao tema).


Leituras Mínimas Obrigatórias - UFSM 2013








4 narrativas UFSM 2013


Calabar: o elogio da traição

Chico Buarque de Hollanda e Ruy Guerra

Peça teatral sobre a traição de Calabar, personagem da história brasileira que foi considerado traidor por ficar ao lado dos holandeses na guerra contra Portugal.

Na década de 70, a dramaturgia nacional era alvo do mesmo patrulhamento que cerceava a liberdade de músicos, políticos, escritores, educadores e tantos outros. É neste contexto que dois importantes artistas escrevem uma das páginas mais importantes do teatro brasileiro contemporâneo. Exemplo de utilização da matéria histórica como instrumento gerador de reflexão, Calabar - o elogio da traição, de Chico Buarque de Hollanda e Ruy Guerra, é relançado pela Civilização Brasileira com novo projeto gráfico.

Calabar - o elogio da traição, escrita justamente entre os anos de 1972 e 1973, no auge da ditadura militar brasileira e as vésperas do abril florido da revolução portuguesa — o que criou obstáculos à montagem da peça — é uma alegoria[1] histórica que se passa na época das invasões holandesas em Pernambuco, no século XVII. Aborda a questão da lealdade e da traição, numa clara alusão à conjuntura política do período em que foi escrito. Inclui canções famosas de Chico Buarque, como Anna de Amsterdã e Bárbara.

Com sensibilidade e inteligência, a peça amplia o debate ideológico de forma provocativa, irônica, quase caricatural. Os conceitos de traidor e traição, se subjetivos per se, tornam-se ainda menos palpáveis na obra de Chico e Ruy. Afinal, onde está a traição: nos mantenedores da ordem ou na rebeldia dos heróis? E quem são, de fato, os heróis e os vilões? Como escrevia Fernando Peixoto, em 1980, o texto de Calabar - o elogio da traição é "mal-comportado, e por isso estimula a elaboração de um espetáculo debochado, capaz de assumir a quase anárquica, mas organizada colagem e a justaposição de imagens e épocas".

Com Calabar - o elogio da traição, visam divertir o público, espalhando pontos de interrogação, dúvidas e perplexidades. Surpreendendo pelo atualizado deboche crítico, fundamentado num confronto realista com temas essenciais de nossa existência de nação social-econômica-política- culturalmente ainda colonizada num tímido mas empenhado esforço de construção de uma democrática cultura nacional-popular.

Há sensibilidade e inteligência na utilização da matéria histórica como instrumento capaz de instaurar uma consequente reflexão que ultrapassa os limites de determinadas circunstâncias político-econômicas e amplia o debate ideológico de forma irônica, provocativa, apoiada em extrema e contagiante teatralidade, usando a postura crítica e a desmedida coragem de assumir o grotesco. A obra desmistifica o conceito de traidor e a noção vazia e abstrata de traição.



Texto escolhido

"E se vocês rirem de mim,
Se eu for alvo de chacotas e chalaças,
Se for ridículo na jaqueta de veludo
Ou nas ceroulas de brim,
Ou porque falo tanto de caganeira e bacalhau,
É bom pensarem duas vezes, porque, ainda mesmo assim,
Com lombrigas dançando dentro da barriga,
Com a Holanda, a Espanha e toda a intriga,
Eu sou aquele que, custe o que custar,
Acerta o laço e tece o fio
Que enforca Calabar."

 

ü  Em termos mais teóricos, podemos dizer que a obra de Chico Buarque seria um exemplo do grau zero da escrita e da fala, cujo valor simbólico reside na palavra em estado puro. Afinal, sua língua, fugindo a toda caracterização absoluta, faz as próprias regras, normas e significado, o que aproxima a sua escrita ora da metáfora, ora da metonímia, ora da sinédoque, ora inda da ironia.

ü  Essa escrita tão singular traz em si, no entanto, a marca da polifonia. Pode-se

dizer de Chico Buarque o que Mário de Andrade dizia de si mesmo: Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta. Cantor, compositor, poeta, teatrólogo e romancista, Chico Buarque é um artista ímpar no Brasil contemporâneo. Poucos produziram obra tão ampla e variada quanto a sua. Mas, em meio a todos esses Chicos, parece haver um que, curiosamente, permanece invisível. Talvez, porque óbvio demais, familiar demais. Trata-se do Chico Buarque arquiteto. Chico Buarque opera como um arquiteto das palavras, constantemente a (re)construir sua escrita. Essa preocupação com a linguagem manifesta-se em vários momentos de sua obra.

ü  Pode-se, então, imaginar um quadro de correspondências entre os temas e os tropos a arquitetar (no sentido de estruturar) a obra poético-musical de Chico Buarque:

 

CALABAR - Canção de protesto | Metáfora da revolução

 

 

§  Coincidindo com o momento mais embrutecido da ditadura militar no Brasil, a produção artística de Chico durante este período será marcada por obras de expressiva dramaticidade poética, musical e literária, tais como: as canções Pedro Pedreiro (1965), Construção (1971), Rosa dos ventos e Apesar de você (1970) – esta última se tornaria símbolo de protesto de toda essa época; e as peças teatrais Roda-Viva (1968) e Calabar, O elogio da traição (1973).

 

Ø  Chico Buarque aparece como um dos principais críticos da ditadura, consequentemente, um dos artistas mais visados pela censura. Esta condição o levaria a criar pseudônimo (Julinho da Adelaide) e a exilar-se na Itália em 1969.

 

 

·         Efeitos de memória presentes na obra, como o sentido dos enunciados são determinados pela condição sócio–histórica em que é produzido e não somente pela associação à sua estrutura. Observa-se, também, em que medida sujeitos e discursos são constituídos no texto literário e estabelece um paralelo entre o episódio histórico (cuja discursivização posta pela história social promoveu Calabar à personificação da traição) e o período histórico em que se deu a produção da obra, para daí realizar uma leitura possível dos sentidos de “traição”.

 

Nove noites

Bernardo Carvalho

 

Nove Noites, sexto livro de Bernardo Carvalho, narra uma investigação sobre a misteriosa morte de um antropólogo americano, Buell Quain, que aos 27 anos, em 1939, se suicida após uma estada em uma aldeia indígena situada no Tocantins, no Brasil, quando subitamente regressava à civilização. No meio da floresta, Quain, sem motivos aparentes, retalhou-se e enforcou-se na frente de dois índios horrorizados que o acompanhavam na volta para a cidade da Carolina.

Este é o ponto de partida da narrativa de Bernardo Carvalho: um caso trágico, senão mórbido, perdido nos anos e na memória. Bernardo decidiu, a partir de tão poucas informações, tecer um romance utilizando a história fatídica de Buell Quain como base, entrelaçando história e ficção, texto jornalístico e um estranho narrador que entrecorta todo o livro.

O narrador / confessor do antropólogo responde pela parte ficcional de Nove Noites, ao passo que o próprio Bernardo Carvalho encarna e responde pelo lado jornalístico, do levantamento de dados que indiquem os reais motivos que levaram Buell Quain a dar cabo de sua existência. Não se sabe quem investiga, até porque ninguém nunca lhe perguntou a razão da sua curiosidade. Há a desculpa de querer escrever um livro, que vai adiantando para não levantar suspeitas. A mistura que o autor tenta levar a termo é extremamente interessante como recurso literário: insere fotos e personagens da década de 1930 na história, como pessoas reais ou imaginárias, o leitor nunca sabe exatamente onde está pisando. Pela sua mão somos guiados por entrevistas com pessoas que privaram com Quain, arquivos públicos, e memórias deixadas em cartas, escritas pelo suicida antes de morrer, e por um seu amigo, com quem partilhou nove noites de conversas e revelações.

São vários mistérios que se interligam, e adensam a narrativa, em que o leitor partilha a claustrofobia e evasão de identidade das personagens. Da mesma forma, Bernardo Carvalho abre um campo de especulação na mente do leitor, não somente sobre os motivos que ocasionaram a morte de Buell Quain, mas principalmente sobre o significado e as conseqüências da transferência de um jovem norte-americano para o interior das florestas brasileiras. O autor junta habilmente a realidade e a ficção, o romance e a investigação que desenvolveu sobre os índios e sobre o antropólogo. Como nos diz o próprio autor nos agradecimentos é uma combinação de memória e imaginação, - como todo o romance, em maior ou menor grau, de forma mais ou menos direta.

Em outras palavras, Nove Noites é um excelente exemplo do nem sempre salutar choque cultural.

Nove Noites desconstrói as estratégias da narrativa realista e propõe um jogo com o real, jogo no qual, além de desconstruir as estratégias da narrativa realista, este romance desafia os modos nos quais a cultura de massas "consome" realidade.

A história de Quain é verdadeira. O autor soube dela por um artigo no "Jornal de Resenhas", da "Folha de S. Paulo", escrito pela antropóloga Mariza Corrêa, em que o caso era citado de passagem.

A história do escritor, ao menos em parte, também procede: na orelha do livro há uma foto de Carvalho, aos seis anos, ao lado de um índio do Xingu, região onde seu pai de fato fora proprietário de terras. O resto permanece em suspense - e nem o próprio autor parece disposto a separar fato de ficção.

 

Enredo

O antropólogo americano Buell Quain suicidou-se em 1939, aos 27 anos, poucos dias após deixar uma aldeia indígena no interior do Brasil. No fim dos anos 60, um menino de seis anos de idade, contrariado, freqüenta a região do Xingu, onde o pai comprou uma fazenda. Mais de 30 anos depois, o menino se transformou num escritor empenhado em reconstruir a trajetória de Quain e, por conseqüência, passagens da própria infância.

Em Nove Noites, o personagem histórico "biografado" – o Bell Quain - e o narrador "biógrafo" não se relacionam alegoricamente, mas sim metonimicamente. A obsessão pelo suicídio do antropólogo no Xingu revela um trauma do próprio narrador, que teria convivido na infância com os índios: a representação do inferno (...) fica no Xingu da minha infância (p. 60). Na busca de dados sobre Quain, o narrador volta ao Xingu para ouvir o que os índios lembram do Quain. Mas não consegue nenhuma informação, e em troca é ele quem lembra da infância, quando acompanhava o pai nas viagens pelas suas fazendas de Mato Grosso e Goiás.

Alegórica ou metonimicamente, a subjetividade do autor-narrador se coloca no texto através de um mergulho numa outra subjetividade com a qual o narrador estabelece um jogo. E em ambos os casos o que relaciona essas duas subjetividades é um trauma: o trauma dos intelectuais na ditadura, num caso, e o trauma da morte no outro.

Na obra de Bernardo Carvalho a figura do mártir está ausente, e o romance se desvia assim de uma trilha traçada por toda uma tradição de romances que mostraram o índio como vítima: Quarup, Maíra, entre outros. Pelo contrário, em Nove Noites os índios exercem uma certa "violência" (psicológica) sobre os brancos, digamos que o encontro do branco com o índio constitui, no romance um trauma.

No livro uma experiência traumática se configura como uma máquina de tempo, que relaciona momentos da história nacional. Assim, a história do suicídio de Bell Quain acaba mexendo com o trauma do próprio narrador. Quando ele está no hospital acompanhando o pai no seu leito de morte, testemunha a última hora de um velho desconhecido, que ocupa a cama do lado, e que está morrendo em solidão. O velho, no seu delírio, chama o narrador de "Bill Cohen", confundindo-o com um amigo de juventude. Muitos anos depois, o nome de "Buell Quain", mencionado num jornal, traz no narrador a reminiscência daquele outro nome que ouvira pronunciado pelo velho. Mas não é o mesmo nome, o narrador o deixa bem claro: de repente me lembrei de onde o tinha ouvido antes e, fazendo a devida correção ortográfica na minha cabeça, descobri de quem falava o velho americano no hospital (p. 147) (...)em momento nenhum deixei de desconfiar da possibilidade, ainda que pequena, de uma confusão ou de um delírio da minha parte. Podia ter ouvido errado, os meses que precederam a morte do meu pai foram especialmente tensos, e eu não andava com a cabeça no lugar (p.153). Ou seja, a leitura do nome do antropólogo no jornal se torna disparador da experiência traumática, entendendo por ela a resposta a um evento ou eventos violentos inesperados ou arrebatadores, que não são inteiramente compreendidos quando acontecem, mas que retornam mais tarde em flash- backs, pesadelos e outros fenômenos repetitivos.

A morte do pai, que ocorrera estando ele ausente, apenas é relatada: era o dia da minha partida. Minha vida seguiu o seu rumo. Meu pai morreu três meses depois. Fiquei três anos fora. Até a própria sintaxe - seca, mínima - desloca a importância do fato da morte do pai. No entanto, se o narrador chega – na imaginação do velho - como substituto de Quain; em troca o velho oferece a possibilidade de testemunhar sua morte, em substituto da morte do pai, que ocorrera quando ele já tinha partido. Essa troca de papéis (a morte do velho substituindo a do pai, a chegada do narrador substituindo a do velho amigo Quain) funciona como um deslocamento, que pode explicar por que o mistério da morte de Quain provoca uma obsessão, uma vez que ele remete à cena misteriosa de primeira vez que o narrador vira um homem morrer e, é claro, ao mistério da morte silenciosa do pai. O narrador e sua irmã têm disputado a herança do pai com a última mulher dele, que é quem acaba ficando com tudo: o pai só deixa aos filhos seu silencio como herança. Como disse o testamento de Manoel Perna, único amigo de Quain no Brasil: o segredo, sendo o único bem que se leva para o túmulo, é também a única herança que se deixa aos que ficam, como você e eu, à espera de um sentido, nem que seja pela suposição do mistério, para acabar morrendo de curiosidade (p. 7).

Esse mistério (da morte de Quain e, segundo a nossa hipótese, também da morte do próprio pai) provoca uma obsessão no narrador, mas não pode senão ficar como mistério, buraco negro da narrativa. Assim, o testamento de Manoel Perna, o amigo que passara "nove noites" com Quain, que é um documento chave da pesquisa, no entanto, é escrito – inventado - pelo próprio narrador (segundo ele próprio confessa, quase no final do romance, desestabilizando completamente o estatuto de verdade dos fatos narrados). Ou seja, a "prova" principal, o fio narrativo da historia de Quain, é declarada falsa "na cara" do leitor. E, apesar da decepção, o interesse se mantém, e até aumenta depois dessa revelação, pois o que interessa é mais a própria pesquisa do que alguma suposta verdade sobre Quain: interessa a relação do narrador com essa história e aonde ela o conduzirá.

A pesquisa sobre a morte de Quain vai construindo uma trama pseudo-policial no romance, mas se revela menos como caminho à verdade do que como elaboração do trauma, pois é o trauma da infância que aproxima afetivamente ao narrador com Quain: Buell Quain também havia acompanhado o pai em viagens de negócios (...) Mas se para Quain, que saía do Meio-Oeste para a civilização, o exótico foi logo associado a uma espécie de paraíso (...) para mim as viagens com o meu pai proporcionaram antes de mais nada uma visão e uma consciência do exótico como parte do inferno. (p.64) Quando retorna junto aos índios, como exigência da sua pesquisa, esse encontro é descrito como infernal. Lacan considera que o real se apresenta sob a forma do inassimilável do trauma; ele aporta a noção de "tyché" como uma forma de nomear o real como encontro falido. Ao se tratar de um trauma (ou seja, aquilo que não pode ser narrado, nem representado), é evidente por que cada um dos documentos que o narrador encontra ao mesmo tempo que revelam, encobrem. As cartas que documentam aspectos da história teriam sido duvidosamente traduzidas, sobre elas se constrói o testamento, que sabemos falso. O narrador vai em busca do filho do velho que morrera no hospital, achando que esse velho poderia ter sido o fotografo amigo de Quain, mas quando o encontra, acha que seus traços se parecem não aos do velho mas aos de Quain. Quer dizer, a escrita se torna totalmente paranóica (e isto é típico dos romances de Carvalho), ao ponto que nada mais parece confiável. A "realidade" da ficção se desmancha. As histórias dependem antes de tudo da confiança de quem as ouve (p. 8), diz o narrador. Mas as armadilhas do texto, que transita entre o documentário e o ficcional, entre o subjetivo e o histórico, e mistura tudo, não oferecem ao leitor nenhuma possibilidade de confiar.

Em Nove noites o passado não deixa de retornar (na estrutura em abismo, na qual um tempo contém o passado e o futuro), retornam os rostos, as lembranças, as experiências.

 

Trecho do livro (páginas 114 a 117)

Isto é para quando você vier. Ele voltou a Carolina sem sapatos. Queria passar o aniversário na cidade. Naquela noite, me falou de outra ilha. Me disse que eu não podia imaginar. Eu já não tinha imaginado antes, quando me falara da ilha onde havia passado dez meses entre os nativos do Pacífico, já fazia quatro anos, do outro lado do mundo. Agora, já não falava da mesma.

Não era a ilha em que adormecera sob as estrelas, embalado pelas histórias que um nativo lhe contava do crepúsculo à aurora, ao longo de semanas ininterruptas. Me lembro de vê-lo rindo pela primeira vez da própria história, quando chegou a Carolina, quando me falou da ilha no Pacífico, ainda na primeira noite em que bebemos juntos, fazia mais de dois meses, comentando as cutucadas que o nativo lhe dava em vão, para mantê-lo acordado, e de como fiquei sem graça quando ele de repente parou de rir para assumir uma expressão grave e prosseguir o relato, dizendo que o nativo, diante da inutilidade das tentativas de mantê-lo desperto, terminava por se deitar ao seu lado também.

Fiquei constrangido com a idéia de que pudesse pensar que eu estava cansado de suas histórias e de que, sem perceber, ele insinuasse alguma coisa ao me contar aquela.

Quando o etnólogo acordava na sua ilha do Pacífico, o sol já estava alto e o contador de histórias tinha ido embora. Quando voltou a Carolina no final de maio, me mostrou orgulhoso a foto e o desenho que fizera de próprio punho, retratos de negros enormes e fortes, para que eu pudesse ter um a idéia do que me dizia. Eu não podia ter imaginado que a aldeia não ficava na praia, mas morro acima, até ele me falar da Floresta Interior, governada por um chefe que mantinha um dente de baleia pendurado no peito como símbolo de poder.

Na ilha, os chefes eram sagrados, assim como tudo que eles tocavam. As aldeias na costa foram aculturadas pelos invasores de outras ilhas, que por sua vez foram influenciados pelos europeus. Só os nativos do interior mantinham intacto aquilo que ele procurava: uma sociedade em que, a despeito da rigidez das leis, os próprios indivíduos decidiam os seus papéis dentro de uma estrutura fixa e de um repertório predeterminado.

Havia um leque de opções, embora restrito, e uma mobilidade interna. Foi o que ele me disse. sempre teve fascínio pelas ilhas. São universos isolados. Arrumou o primeiro emprego com apenas quinze anos e foi trabalhar, durante as férias de 1928, como " controlador do tempo e das horas" – foi nesses termos canhestros que ele tentou me explicar, com o auxílio de gestos, a sua tarefa no canteiro de obras de uma estrada de ferro numa região inexplorada no coração do Canadá, com a poesia involuntária dos que não conhecem a língua em que tentam se exprimir.

Aproveitava os dias de folga para explorar as ilhas da região, rascunhando mapas que mandava para casa no lugar de cartas e que mostravam a sua posição no mundo. Avançava por rochedos e florestas de abetos, horas a fio a desbravar regiões desérticas em sua fantasia de pioneiro solitário, a embrenhar-se na natureza até não restar outra fronteira para sua liberdade além dos limites do próprio corpo, até nada além do corpo impedir a fusão com a paisagem em que já se dissolvera em espírito.

Eram territórios que trilhava sozinho no verão ártico, infestado de mosquitos, e cujos mapas eram uma indissociável combinação da sua experiência e da sua imaginação. Assim como o que tento lhe reproduzir agora, e você terá que perdoar a precariedade das imagens de um humilde sertanejo que não conhecendo o mundo e nunca viu a neve e já não pode dissociar a sua própria imaginação do que ouviu. Mas não foi de nenhuma dessas ilhas que ele me falou quando voltou a Carolina descalço e humilhado no final de maio. Foi de uma outra, à qual se chegava de balsa, depois de duas horas de trem, vindo da cidade. Uma ilha que conheceu adulto. Falou de uma casa com vários quartos, todos ocupados por amigos. Já não se expressava com tristeza nem com alegria. E eu não saberia dizer que sentimentos guardava daquela lembrança.

Contou de uma tarde em que, voltando de uma caminhada solitária pela praia, onde abandonara os colegas, deparou com a casa excepcionalmente vazia e um homem sentado na cozinha. E que, antes de poder se apresentar, o estranho, saindo da sombra, sacou de uma máquina fotográfica e registrou para sempre o espanto e o desconforto do antropólogo recém-chegado de um passeio na praia, surpreendido pelo desconhecido. Numa das noites em que veio à minha casa durante a sua passagem por Carolina, no final de maio, o dr. Buell confessou que viera ao Brasil com a missão de contrariar a imagem revelada naquele retrato.

Como um desafio e uma aposta que fizera consigo mesmo. Havia sido traído pelo intruso e sua câmera. Não podia admitir que aquela fosse a sua imagem mais verdadeira: a expressão de espanto diante do desconhecido. Havia sido pego de surpresa pelo fotógrafo, antes de poder dizer qualquer coisa. E embora depois tenham se tornado amigos, por muito tempo o estranho não conseguiria tirar outra foto dele. Até irromper um dia em seu apartamento, sem avisar, decidido a fotografá-lo de qualquer jeito, depois de ter sabido que ele estava de partida para o Brasil.

Queria uma lembrança do amigo antes de embarcar para a selva da América do Sul. Eu só sei que esse estranho era você.

 

 

A hora e a vez de Augusto Matraga

João Guimarães Rosa

 

Escrita em 1937, a obra "Sagarana" foi submetida a um concurso literário (Prêmio Graça Aranha, da Editora José Olympio) em que ficou em segundo lugar. O autor usou o pseudônimo de Viator, que, em latim, significa "viandante". A obra trazia quinhentas páginas. Com o tempo, foi reduzida para cerca de trezentas e publicada em 1946.

O título é um hibridismo (união de dois radicais de línguas distintas): "saga", de origem germânica, significa "canto heróico"; e "rana", de origem indígena, quer dizer "à maneira de" ou "espécie de".

As estórias desembocam sempre numa alegoria, e o desenrolar dos fatos prende-se a um sentido ou "moral", à maneira das fábulas. As epígrafes, que encabeçam cada conto, condensam sugestivamente a narrativa e são tomadas da tradição mineira, dos provérbios e cantigas do sertão.

A obra começa com uma epígrafe, extraída de uma quadra de desafio, que sintetiza os elementos centrais da obra - Minas Gerais, sertão, bois, vaqueiros e jagunços, o bem e o mal:

"Lá em cima daquela serra, passa boi, passa boiada, passa gente ruim e boa, passa a minha namorada."

Sagarana compõe-se de nove contos:

1-
O Burrinho Pedrês
2-
A Volta do Marido Pródigo
3-
Sarapalha
4-
O Duelo
5-
Minha gente
6-
São Marcos
7-
Corpo Fechado
8-
Conversa de bois
9-
A hora e vez de Augusto Matraga

 

Narrado em terceira pessoa, o conto enfatiza duas constantes da vida do sertão: a violência e o misticismo, na interminável luta do bem e do mal.

Augusto Esteves, filho do Coronel Afonsão Esteves, das Pindaíbas e do Saco-da-Embira, conhecido como Nhô Augusto e também como Augusto Matraga, é o maior valentão do lugar, briga com todo mundo e maltrata por pura perversidade. Debochado, tira as mulheres e namoradas dos outros. Não se preocupa com sua mulher, Dona Dionóra, nem com sua filha, Mimita, nem com sua fazenda, que começa a se arruinar.

Já em descrédito econômico e político, sobrevém o castigo: sua mulher, Dionóra, foge com Ovídio Moura levando a filha, e seus bate-paus (capangas), mal pagos, põem-se a serviço do seu pior inimigo; o Major Consilva Quim Recadeiro foi quem levou a notícia da defecção dos capangas. Nhô Augusto resolve ter com eles, antes de matar Dionóra e Ovídio, mas no caminho é atacado, numa tocaia, por seus inimigos, que o espancam e o marcam com ferro de gado em brasa. Quase inconsciente, no momento em que vai ser assassinado, reúne as últimas forças e se atira no despenhadeiro do rancho do Barranco. Tomam-no por morto. É, contudo, encontrado por um casal de negros velhos: a mãe Quitéria e o pai Serapião, que tratam de Nhô Augusto, que sara, mas fica com sequelas deformantes.

Começa então uma nova vida, no povoado do Tombador, para onde levou os pretos, seus protetores. Regenera-se e, esperando obter o céu, leva uma vida de trabalho duro, penitência e reza. Arrependido de suas maldades, ajuda a todos, e reza com devoção: quer ir para o céu, "nem que seja a porrete", e sonha com um "Deus valentão".

Passados seis anos, tem notícias de sua ex-família através de Tião da Thereza: a esposa, Dona Dionóra, vive feliz com Ovídio, e vai casar-se com ele; Mimita, sua filha, foi enganada por um cometa (espécie de caixeiro viajante) e caiu na perdição. Matraga sente saudades, sofre, mas se resigna.

Certo dia, aparece o Joãozinho Bem-Bem, jagunço de larga fama, acompanhado de seus capangas: Flosino Capeta, Tim Tatu-tá-te-vendo, Zeferino, Juruminho e Epifânio. Matraga hospeda-os com grande dedicação e admira as armas e o bando de Joãozinho Bem-Bem. Mas se recusa a acompanhar o bando, mesmo convidado pelo chefe e não aceita qualquer ajuda dos jagunços. Quer mesmo ir para o céu.

Totalmente recuperado, Matraga despede-se dos velhinhos e parte, sem destino, num jumento. Chega ao Arraial do Rala-Coco, onde reencontra Joãozinho Bem-Bem e seu bando, prestes a executar uma cruel vingança contra a família de um assassino que fugira. Augusto Matraga desperta para a sua hora e vez: intervém em nome da justiça, opõe-se ao chefe do bando, liquida diversos capangas, tomado de verdadeiro furor. Bate-se em duelo singular com Joãozinho Bem-Bem. Ambos morrem - Joãozinho primeiro. Nessa hora, Augusto Matraga é identificado por seu antigos conhecidos.

Observe a importância do número três durante toda a narrativa: a personagem principal tem três nomes - Augusto Matraga, Augusto Esteves e Nhô Augusto; os lugares em que transcorrem as fases de sua vida também são três - Murici, onde vive inicialmente; o Tombador, onde faz penitência; o Rala-Coco, lugarejo próximo a Murici, onde encontra sua hora e vez. Além disso, ele também vive em trios: inicialmente, na praça, ele está com duas prostitutas; em casa, ele vive com a mulher e a filha; depois de ter sido surrado e marcado a ferro, vive com um casal de pretos; e, no final, aparece um último trio: ele, Joãozinho Bem-Bem e o velho a quem protege.

 

 

Noite

Erico Verissimo

 

A novela “Noite” relata uma trama de mistério, onde o autor apresenta de maneira detalhada, enriquecido com momentos, lembranças, perturbações psíquicas. Apresentando algumas articulações sobre a condição humana de ser no mundo com os outros e o desamparo constitutivo.

Ao iniciar a leitura, percebe-se um distúrbio psíquico de uma das personagens, o homem de gris (assim o autor se refere à personagem), quando se vê perdido no anoitecer de verão, na principal rua de sua própria cidade. Cambaleando pela rua sente alguém lhe puxando o braço com violência e gritando se desejava morrer atropelado. Não respondeu ao homem que lhe puxara, somente olhou para o céu e pronunciou o nome de uma mulher que vinha repetindo mentalmente. Tenta se lembrar desesperadamente. “Quem sou? Onde estou? Que aconteceu?”. Preso a uma amnésia a personagem caminha pela rua.

“Num gesto maquinal tirou do bolso o lenço e passou-o pelo rosto. Que perfume era aquele?” É um cheiro de perfume de mulher, mas quem será esta mulher? O desconhecido (assim também é citado na novela) não reconhece as próprias roupas e fica a refletir consigo mesmo. Onde teria encontrado-as? Em guarda-roupa ou de um alheio? E a carteira recheada de dinheiro, é sua? Será que ele é um ladrão? A personagem se vê cheio de perguntas que ele nem os transeuntes conseguiam responder.

O que está acontecendo com ele? Um pesadelo, porém ao pensar nisso lhe vem uma terrível dor de cabeça, que o traz para a realidade, e o deixa ainda pior com medo, aflição e tenebrosa sensação de estar sendo seguido. Saí andado desesperadamente até encontrar um café-restaurante onde entra sem mesmo saber motivo. Sem saber o que pedir pede água mineral ao garçom.

Neste instante alguém se aproxima, era um homúnculo corcunda de baixa estatura e de braços desproporcionalmente longos, mais se parecia com um chimpanzé do que com ser humano. O homúnculo se apresentou dizendo ser um artista. Pintou-o em um papel que cobrou uma fortuna. Aqui começa a estranha amizade desses dois personagens.

Ao perceber que o Desconhecido tem uma carteira repleta de dinheiro, o Corcunda passou a interessar-se pelo estranho e lhe promete uma grande noite, mesmo sem o Desconhecido dizer-lhe uma palavra. Para essa grande noite Corcunda chama para acompanhá-los um amigo a quem lhe chama de Mestre, que é um homem de muita inteligência e grande influência entre a alta sociedade, porém, não passa de mais um interessado no dinheiro do Desconhecido. Nesse trecho percebe-se a amizade por interesse.

Logo mais, podemos ler o momento que os dois interrogam o estranho sobre a sua identidade, mas ele somente diz não se lembrar de nada. Como não acreditam na hipótese de perda de memória acham que ele é um criminoso que matou alguém e roubou aquelas roupas e dinheiro. Surgindo assim, a desconfiança.

Apesar de tudo, a noite começa, sobre o comando do Mestre. Passam por ruas de prostitutas, animam um velório numa rua suburbana, por uma quermesse de uma igreja, até chegarem ao local do compromisso do Mestre, que nada mais é do que um prostíbulo muito discreto para pessoas da alta sociedade onde ele teria indicado para um comendador. Depois disso passam por pelo Pronto Socorro, onde confirmam que houve uma morte de uma mulher por esfaqueamento. Será o Desconhecido culpado pela notícia desse crime recente? Terá ele algum vínculo?

Em meio a tudo isso o Desconhecido continua a acompanhá-los mesmo sem dizer nada, e o Corcunda, sempre a pedir descaradamente dinheiro ao estranho que o dava sem perguntar o porque.
Após isso seguem a um cabaré onde conhecem a Ruiva e Passarinho, duas prostitutas. Corcunda se interessa pela Passarinho, e o Desconhecido fica com a Ruiva. Depois de muita bebida, o estranho desmaia, ao acordar o cabaré está vazio. Eles saem e se encaminham para a casa das garotas. Ao chegarem a Ruiva arrasta o Desconhecido para seu quarto, este fica sem ação, mas depois de algum tempo indeciso ele faz mantém relação sexual com ela, com o vago pressentimento de que ela é uma pessoa conhecida.

O grande momento da novela é quando o Desconhecido acorda e se levanta no outro dia e não se lembra o que aconteceu no dia anterior, mas está recuperado de seu lapso de memória, relembra o dia anterior em que chegou em casa e não encontrou a mulher. Rapidamente sai daquele domicílio e se dirige para a sua casa. Na rua as pessoas já estão se levantando para se dirigem aos seus serviços.

No caminho se recorda de sua infância, um tanto conturbada com a morte prematura de sua mãe, depois o seu casamento e a noite de lua de mel onde ele fica impotente e só consegue consumar os laços matrimonias com sua mulher depois de um longo tempo ao lado dela. Noites como essa se repetiram por várias vezes. Com isso ele começa a desconfiar que sua esposa o trai, então ele a trata violentamente e lhe diz palavras terríveis.

Ao chegar na porta de sua casa ele teme entrar, pois sabe que ela não voltou. Pois, como poderia voltar depois de ter sido tão humilhada? Quando ele finalmente entra na casa e ouve que alguém caminha no andar de cima uma alegria o toma, sobe as escadas velozmente. Será que ela voltou?

A novela “Noite” nos deixa uma grande dúvida neste final. Será que a esposa dele morreu e ele está ouvindo passos? Será que ele a matou e não quer assumir para si mesmo ou ela fugiu e ele não quer aceitar a realidade?

O romance nos leva a pensar que o Desconhecido inconscientemente utiliza a perda da memória como fuga. Refúgio para algo que ele possa ter feito, mas prefere não se lembrar. Como, por exemplo, assassinado a esposa, ou não aceitar a perda da esposa pela hipótese de que fora traído.

Esta novela nos deixa várias questões. Tais como, amizades por interesse, a descrença pelo que se desconhece, fuga para não aceitar a realidade. Mas uma coisa pode-se ter certeza, que o autor nos mostra, os fracassados são aqueles que não conseguem assumir seus próprios atos, levando os outros a tirarem conclusões precipitadas.

 



[1] modo de expressão ou interpretação que consiste em representar pensamentos, ideias, qualidades sob forma figurada.